[ARTIGO] Relembrando Michael Jackson: Fazendo Moonwalk entre Contradições

Sylvia J. Martin obteve seu doutorado em Antropologia e é Professora Assistente Convidada de Estudos da Mídia na Babson College.


Relembrando Michael Jackson: Fazendo Moonwalk entre Contradições

Por Sylvia Martin, em 24 de junho de 2010

Traduzido por Femme, exclusivamente para o MJ Dreamer. Proibida a reprodução.

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Com o primeiro aniversário da morte de Michael Jackson se aproximando, centenas de fãs de lugares tão distantes como França, Japão e Ucrânia devem convergir para a sua sepultura no cemitério Forest Lawn Memorial Park, em Los Angeles. Desde que Jackson foi enterrado lá há nove meses, fãs de Michael Jackson têm vindo constantemente fazer a peregrinação até seu mausoléu. Em uma de minhas visitas lá, um fã afro-americano me disse que sentia que Jackson havia se distanciado da comunidade negra ao longo dos anos. Um fã branco discordou e respondeu que em sua música e suas mensagens o Rei do Pop foi "daltônico" e "amava igualmente todas as raças como Jesus fazia." Durante o ano passado, eu observei que há um reconhecimento recém articulado entre os fãs de Jackson - comumente e injustamente retratados como "fanáticos" e massa indiferenciada - de que existem várias apostas para pessoas diferentes em seu status como um ícone global.


Questões de Raça?

Jackson tem atuado durante anos como um ponto de partida interessante no discurso popular sobre se nós vivemos em uma sociedade daltônica. De admiradores a acadêmicos, Jackson foi saudado como liminar e, portanto, utópico. Jean Baudrillard afirmava que, em sua falta de especificidade racial, Jackson representa um híbrido de proporções universais e, portanto, "mais capaz até mesmo que Cristo de reinar sobre o mundo e reconciliar suas contradições." No entanto, para Jackson e Jesus, um reino cheio de elementos tão díspares é uma entidade nada fácil de unir. O Rei do Pop - inicialmente orientado pela Motown na arte complicada da "passagem" para platéias brancas - há muito tempo sabia disso. Quando a revista Rolling Stone se recusou a colocar Jackson na capa de seu álbum "Off the Wall' em 1980, Jackson acusou a revista de não querer correr o risco das vendas reduzirem, colocando os negros em sua capa.

A morte de Jackson ocorreu em um ano significativo para a comunidade afro-americana. Meses antes da morte do mais bem sucedido entertainer afro-americano, o primeiro homem afro-americano foi empossado como presidente dos Estados Unidos. Apenas algumas semanas depois que Jackson morreu, o professor de Harvard Henry Gates foi preso por conduta desordeira em sua própria casa. O presidente Obama enfrentou um clamor de desconfiança sobre o seu local de nascimento: ele era "autenticamente" americano? O professor de Gates enfrentou perguntas sobre seu comportamento com a aplicação da lei: ele foi apropriadamente dócil? Eu diria que estes incidentes servem para lembrar que a nossa sociedade ainda não é daltônica.

A relação de Jackson com sua base de fãs multicultural, o público em geral e sua própria identidade racial têm estado cada vez mais sob debate. Discussões preliminares da ambivalência e se nós realmente transcendemos as divisões raciais estão ocorrendo nas comunidades de fãs online e offline e além. Em uma conferência que eu assisti algumas semanas atrás, no Harlem, sobre Jackson, no Centro de Investigação da Cultura Negra em Schomberg, um ativista negro falou da necessidade de abrir "um espaço seguro para ter as conversas que tivemos em particular sobre ele."

O que um chamado "espaço seguro" revela contraria o que Baudrillard postulou, que a raça continua a importar e que algumas disparidades continuam a ser difíceis de conciliar. Como o autor e jornalista musical afro-americano Nelson George sublinhou, "a fluidez racial" de Jackson foi estigmatizada por alguns na comunidade afro-americana, mas foi aceita pela comunidade global.

Considerando-se esta desigualdade, você poderia dizer que o Rei do Pop reinou sobre uma entidade que se assemelha a um império mais do que um reino, um vasto território formado por múltiplas etnias, origens culturais, linguagens e gêneros, com diferentes entendimentos e experiências de discriminação racial. Que Jackson estava ciente das dificuldades de gerenciar uma base de fãs diferentes se tornou evidente em suas relações públicas e sua música. O entertainer afro-americano que penetrou nos escalões brancos de música popular por superar Elvis e possuir o catálogo dos Beatles sabia que tinha que andar com cuidado.


A Coreografia das Contradições

Embora muitos tenham criticado Jackson por administrar mal sua imagem pelo envolvimento em comportamentos publicamente caprichosos e excentricidades, ele por vezes, concebeu uma maneira hábil para oferecer um comentário sobre a identidade racial. Por exemplo, em seu vídeo musical "Black or White' ele incorporou uma crítica das relações raciais nos EUA no que muitos consideram seu hino ao "pós-racialismo", a noção escorregadia de que as divisões raciais foram superadas. O vídeo foi preocupante para alguns, porque suas letras e a primeira parte do vídeo eram sobre a imaterialidade da raça, embora no momento em que foi lançado, as pessoas ficaram intrigadas sobre o clareamento da pele de Jackson. (As suspeitas sobre a veracidade da explicação de Jackson sobre o vitiligo foram desde então silenciadas pela verificação do relatório do legista.) Suas cirurgias estéticas também perturbaram alguns fãs, especialmente na comunidade negra. As letras promoviam namoros e camaradagem inter-raciais. A tecnologia da metamorfose pelo qual o vídeo é famoso visualmente sugeriu que não há fronteiras entre os povos do mundo. Jackson também demonstrou sua habilidade para de forma não problemática se inserir em culturas ao redor do mundo através do poder transformador da dança.

No entanto, enquanto as letras - "Não importa se você é negro ou branco" - defendiam um abraço racial, há uma mensagem contraditória no final da versão mais longa do vídeo. Logo que no fim da seqüência de metamorfoses, a câmera se afasta e vemos o estúdio onde ele foi filmado. Sem o conhecimento da equipe, uma pantera negra espreita o set. A escolha que Jackson faz do animal aqui é pungentemente reveladora. Originalmente dedicada a proteger as comunidades negras da brutalidade policial, os Panteras Negras eram uma organização afro-americana mergulhada no movimento Black Power nos anos de 1960 - 1970. Quando a pantera sai do set, ela faz uma pausa para rosnar para, como salientou o fã Samar Habib, uma estátua de George Washington. Além de ser o primeiro presidente dos Estados Unidos, Washington aprovou a Lei de Naturalização de 1790, uma lei que excluía os negros da cidadania dos EUA. O rosnado da pantera pode ser lido como uma expressão de ira por uma lei discriminatória, que permaneceu por décadas. O animal então se transforma em Michael, que passa a executar uma dança furiosa e bonita. Durante esta dança, uma das cenas mais chocantes para os telespectadores foi quando Jackson raiva destruiu um carro, quebrando suas janelas. Epítetos raciais foram traçados nas janelas na pós-produção para explicar a exibição incomum de raiva de Jackson.

Dentro de sua mensagem cuidadosamente elaborada de união, Jackson estava atingindo os espectadores que reconheceram o significado da pantera negra rosnando para a imagem de George Washington. Na minha opinião, a seqüência da pantera serve como uma expressão artística da própria experiência de Jackson como um homem negro na América, onde a questão do racismo continua a atormentar os membros da comunidade negra desde o Harlem até Harvard. Depois de lutar para a MTV expor seus vídeos musicais no início de 1980, quando poucos artistas negros podiam penetrar na MTV, Jackson sabia que, apesar de seu ideal de daltonismo, é absolutamente importante se você é preto ou branco, particularmente na indústria do entretenimento.

O fascinante é que no vídeo, Jackson primeiro nos traz uma mensagem alegre de harmonia racial, levando-nos em uma direção de inclusão. No entanto, sem nenhuma explicação, ele em seguida nos lança para uma história de exclusão nos EUA, rompendo com a noção linear de progresso racial. É uma jogada confusa, até que nos lembramos que este é o artista que nos apresentou o moonwalk. O moonwalk, afinal, é um retroceder em que o dançarino parece estar se movendo para a frente. Em outras palavras, o moonwalk é uma coreografia da contradição. Embora ele não realize o moonwalk como um passo de dança neste vídeo, a sua filosofia de ação contraditória - proferir a inclusão enquanto aponta para a exclusão - é a estratégia de Jackson aqui. Acredito que o moonwalk tornou-se uma metáfora de como Jackson por vezes gerenciou nossas expectativas sobre ele e suas mensagens, a fim de tentar falar para uma ampla variedade de experiência humana. Ao fazer isso, Jackson sutilmente nos mostra que o pop - um gênero comercial comumente descartado como brando - carrega o potencial de ser subversivo.

Apesar da previsão de Baudrillard, Jackson - e, possivelmente, em algum grau, o presidente Obama e o professor Gates - não poderia transcender completamente uma história de tensões raciais. Era isto inevitável? Em 1985, quando Jackson estava pilotando o rolo compressor do álbum "Thriller", James Baldwin premonitoriamente escreveu: "A cacofonia sobre Michael Jackson é fascinante na medida em que não se trata de Jackson em nada ... Todo o barulho que é sobre a América como a desonesta guardiã da vida negra e da riqueza; os negros, especialmente os homens, nos Estados Unidos e a queima, culpa americana enterrada e sexo e papéis sexuais e pânico sexual, sucesso, dinheiro e desespero."


Fonte: The Norman Lear Center