Howard Bloom: "Todos devemos a Michael Jackson" [Parte 2]

Segunda parte do depoimento de Howard Bloom, lendário relações públicas da música nos anos 80 e 90, sobre Michael Jackson, a quem considera "o maior homem que já existiu". Atualmente, Bloom se dedica às pesquisas na área das Ciências Sociais, especialmente sobre comportamento de grupos.


Traduzido por Femme, exclusivamente para o MJ Dreamer. Proibida a reprodução.
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Poucos minutos depois, Michael e eu subíamos as escadas do andar de cima para o quartinho apertado onde Marlon mantinha seu equipamento de gravação. Eu tinha escrito um comunicado de imprensa e eu queria a aprovação de Michael. Descobrimos lugares para sentar nas pilhas de amplificadores e teclados. Eu li o comunicado de imprensa em voz alta. E quando eu o fiz, o corpo de Michael relaxou. "Isso é lindo", disse ele quando eu acabei, "Você escreveu isso?" O fato era que eu tinha mesmo. E o fato é que escrever comunicados de imprensa não era simplesmente um truque de trabalho para mim, era uma arte. Eu editava uma revista literária que havia ganhado dois prêmios da Academia Nacional de Poetas. E nas décadas seguintes, o Washington Post chamou o escrito nos meus livros de "belo". Mas ninguém nunca tinha visto a arte escondida no trabalho e a criatividade escondida no comum. Michael aparentemente tinha.

Uma vez que Michael havia aprovado o comunicado de imprensa, descemos para a salinha individual no primeiro andar. Contra as paredes e o forro da sala estavam as máquinas de videogame, máquinas que apenas as casas de diversões podiam pagar por esses dias. E no centro da sala, ocupando a maior parte do espaço, havia uma mesa de bilhar. Os Jacksons tinham agendado uma reunião com uma diretora de arte da CBS para que o grupo decidisse sobre a capa do álbum da Victory Tour. Eles queriam que eu estivesse na reunião.

Quando a diretora de arte chegou, ela tinha os portfólios de cinco artistas, portfólios que ela empilhou em uma extremidade da mesa de sinuca de feltro verde. Estes não eram apenas os portfólios de vinil preto que a maioria dos artistas comerciais usa para mostrar seu trabalho. Cada um destes era personalizado - feito sob medida, de couro trabalhado à mão ou em rica madeira de cerejeira. E cada um era de um lendário artista, um artista no topo de seu campo.

Nós estávamos todos agrupados juntos no lado oposto da diretora de arte, na mesa de sinuca. Michael estava no centro. Eu fiquei ao lado dele, à sua esquerda. E os irmãos estavam distribuídos em torno de nós. A diretora de arte da CBS deslizou o primeiro dos portfólios para Michael. Ele abriu a primeira página, devagar ... apenas o suficiente para ver talvez uma polegada da imagem. Quando ele pegou na obra de arte, seus joelhos começaram a se curvar, seus cotovelos dobraram, e tudo o que pôde dizer foi "oooohhhhh." Um suave, orgásmico "ooooh". Em uma sílaba e em sua linguagem corporal, você podia sentir o que ele estava vendo.

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Não sei se você conhece o poema de William Blake -

Para ver um mundo num grão de areia,
E um céu numa flor silvestre,
Segure o infinito na palma da sua mão,
E a Eternidade em um momento...

A ambição intensa desse poema, o intenso desejo de saber, estava vivo em Michael. Mais vivo do que qualquer coisa do tipo que eu já vi. Michael via o infinito em uma polegada.

Quando Michael abriu a página, ainda centímetro por centímetro, joelhos e cotovelos dobrados ainda mais, seus "ooohs", seus sons de orgasmo estético, cresceram ainda mais intensos. Estando cotovelo com cotovelo e ombro a ombro com ele, você podia senti-lo descobrindo coisas no pincel e no traço de tinta que o próprio artista nunca viu. No momento em ele abriu a página completamente, seu corpo e sua voz expressava um êxtase. Uma epifania estética. Eu nunca encontrei nada parecido. Michael sentiu a beleza da página com cada célula do seu ser.

Eu trabalhei com Prince, Bob Marley, Peter Gabriel, Billy Joel, e Bette Midler, algumas das pessoas mais talentosas da nossa geração, e nenhum deles tinha a qualidade de admirar que estava viva em Michael. Ele via a maravilha em tudo. Sua qualidade de admiração, estava além de qualquer coisa que a maioria de nós, seres humanos, pode conceber.

Olha, acima de todas as coisas, eu sou um cientista. A ciência é minha religião. Tem sido a minha religião desde que eu tinha dez anos. As duas primeiras regras da ciência são: 1) A verdade a qualquer preço, incluindo o preço de sua vida, e 2) Olhe para as coisas debaixo do seu nariz como se você nunca tivesse visto antes e depois proceda a partir daí. E isso não é apenas uma regra da ciência. É uma regra da arte. E é uma regra da vida. Muito poucas pessoas sabem disso. E ainda menos pessoas vivem isso. Mas Michael era isso, ele encarnou isso em cada folículo de seu ser. Michael era o mais próximo que eu já vi de um anjo secular. Um santo secular.

Olha, eu sou ateu, mas Michael não era. Ele acreditava que tinha um dom dado por Deus. Ele acreditava que lhe haviam sido dado talentos e maravilhas e espantos raramente concedidos a nós, seres humanos muito frágeis. Porque Deus lhe tinha dado este imenso presente, ele sentia que devia a experiência de encantamento, espanto, admiração, e a infinitude de Blake aos seus companheiros seres humanos. Mas ao contrário de outros seres humanos generosos, por exemplo, Bill e Melinda Gates, para Michael dar aos outros não era apenas uma coisa de meio período. A necessidade de dar aos outros permaneceu viva em cada respiração dele todo santo dia.

Toda a vida de Michael Jackson foi dar e receber e todo o propósito de receber era para que ele pudesse dar. Ele trabalhou com cada célula do seu corpo para dar o presente dessa surpresa, desse espanto, aos seus companheiros seres humanos. A necessidade da adoração das multidões era a conexão de Michael com os outros, sua ligação mais profunda, muito mais profunda do que a família e amigos (embora estes sejam indispensáveis), e curando muito mais. Esse ato de dar manteve um ser icônico, uma pessoa que nunca conheceu a normalidade, vivo.

Eu adoraria te contar as histórias de como Michael fez essas coisas brilhantes. Mas, novamente, as histórias terão que esperar para outro dia.

Parece estranho dizer isso, mas Michael sempre será uma parte de mim. Nenhum outro superstar com quem eu trabalhei deixou marcas de si mesmo em meu âmago do jeito que ele fez. Michael abriu uma janela para uma qualidade de admiração diferente de tudo a que eu já tinha sido exposto na minha vida. Por esse presente, eu senti que devia a ele. Eu senti que todos nós lhe devíamos. E continuamos a dever. Devemos a ele uma visão honesta de quem ele era. Nós devemos a ele, finalmente, varrer a porcaria das manchetes sensacionalistas e ver claramente porque aqueles que o amam sabem mais sobre ele do que qualquer especialista ou jornalista que afirma ter investigado sua vida. Os jornalistas e os especialistas não conhecem Michael Jackson. Mas se você o ama, há uma boa chance que você o conheça.

Adeus, Michael.